quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

TEMPOS SOMBRIOS PARA OS POVOS INDÍGENAS

OIARA BONILLA
Os ataques aos povos indígenas começaram 514 anos atrás, e sempre foram pautados pela lógica de expansão territorial e econômica do país, atingindo períodos de particular crueldade, levando ao extermínio de populações inteiras e ao desaparecimento de grande parte da diversidade sócio-cultural do país. Hoje é possível dizer que estamos em um destes períodos. Desde novembro do ano passado, assistimos no Brasil a uma avalanche de agressões e ataques explícitos e diretos aos povos indígenas.
A Rodovia Transamazônica (BR 230) foi construída numa época particularmente atroz para os índios. Atravessando terras indígenas e retalhando implacavelmente a floresta, a estrada abriu brechas para a “colonização” da região, – isto é, para a extração de madeira, a criação extensiva de gado (mediante extenso desmatamento prévio) para, mais recentemente, possibilitar o plantio de soja, cana e demais commodities – hoje motores econômicos e justificativas “incontestáveis” das atrocidades mais atuais que continuam sendo cometidas.
Um dos territórios atravessados pela estrada é justamente o do povo Tenharim, que ocupou a cena nos noticiários no final do ano e continua no centro das atenções. Atualmente, essa região, conhecida como sul do Amazonas, é campeã de desmatamento, de grilagem e de violências contra seringueiros, índios e pequenos agricultores. Desde os anos 1970, os Tenharim estão aguardando compensações por suas terras terem sido cortadas pela estrada, e pelas mortes acarretadas ao longo do processo de sua construção.
Uma investigação aparentemente inconclusa sobre a morte mal explicada de uma das principais lideranças Tenharim, seguida do desaparecimento de três não indígenas na região provocou um levante da população local contra os índios, gerando uma onda de violências, declarações e vociferações preconceituosas e racistas sem precedentes nas ruas da cidade de Humaitá (AM). Diversas reportagens, relatos, comentários, fotografias e vídeos (onde, por exemplo, é possível ouvir gritos de alegria e comemorações durante as ações violentas) nas redes sociais e na mídia local estamparam a brutalidade do racismo de alguns moradores não-indígenas de Humaitá.
Este fato, que poderia ser considerado como um mero caso policial, infelizmente, não deve ser tratado como um caso isolado. Ele é o último de uma série cada vez mais massiva de agressões e ações abertamente preconceituosas e violentas contra os povos indígenas no país.
Impossível não lembrar, mais uma vez, da invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por ruralistas em Campo Grande e do discurso de uma mulher desejando aos índios: “Morram! Morram!” no contexto do Leilão da Resistência. Organizado em dezembro de 2013 por fazendeiros e simpatizantes do agronegócio no Mato Grosso do Sul, o encontro arrecadou quase um milhão de reais para financiar milícias armadas – ou, oficialmente, “empresas de segurança privada” – destinadas a proteger as fazendas de eventuais retomadas de terra pelos Guarani, Kaiowá e Terena. Desde o início do século XX, os Guarani e Kaiowá foram espoliados sistematicamente de suas terras e obrigados a viver em exíguas reservas, ecologicamente devastadas, sem ter nenhuma outra perspectiva a não ser servir como mão de obra barata para os mesmos latifundiários que hoje ocupam e exploram suas terras tradicionais.
Há poucos dias, também no Mato Grosso do Sul, a investigação da morte de Oziel Terena foi declarada inconclusiva pela Polícia Federal. Em maio de 2013, o jovem indígena foi assassinado durante a reintegração de posse da Fazenda Buriti, uma das propriedades do ex-deputado Ricardo Bacha (PSDB) que incide sobre a terra indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional. No mesmo dia, proprietários de terra recusavam indenizações milionárias oferecidas pelo governo como compensação pela devolução das terras aos índios. “Vamos para o pau!”, declarou publicamente Bacha, insatisfeito com os mais de 10 milhões de reais oferecidos a ele e sua família.
Ameaças, truculência, abuso de poder, disputa judicial interminável. A isso estão cotidianamente sujeitos os Guarani Ñandeva da terra conhecida como Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai. Eles esperam ahomologação de sua terra há quase 10 anos, vivem acampados em suas próprias terras e anunciaram recentemente que resistirão à morte à execução de reintegrações de posse ou ações de pistoleiros contra sua permanência na área. O mesmo delegado responsável pela reintegração da Fazenda Buriti os ameaçou verbalmente na última ação realizada pela Policia Federal em Yvy Katu. “Deus abençoe vocês”, respondeu quando os índios disseram que não deixariam sua terra. No Mato Grosso do Sul, dezenas de áreas indígenas aguardam demarcação ou homologação, em configurações semelhantes.
São inúmeros os casos, e não caberia aqui estabelecer uma lista sistemática dessa avalanche de agressões. O que nos parece mais importante é enfatizar que as tensões e os conflitos fundiários se dão em um contexto de ataques políticos e jurídicos intensos aos povos indígenas e a seus direitos constitucionalmente garantidos. De fato, o ano de 2013 foi também um ano de grandes ataques aos direitos indígenas no Congresso, levados a cabo principalmente pela bancada ruralista, que atualmente forma parte da base aliada do governo.
Ao menos trinta proposições sobre legislação indígena tramitam no Legislativo ou foram editadas pelo Executivo, todas afetam diretamente os povos indígenas. Estes projetos de lei e decretos dialogam diretamente com os ataques sofridos pelos indígenas; são uma resposta positiva às demandas das oligarquias agrárias e do agronegócio, principais motores da violência contra as populações originárias. Assim, esse verdadeiro rolo compressor – liderado e conduzido pela bancada ruralista, e praticado hoje no campo da legalidade e da ilegalidade pelo capital brasileiro e transnacional – está dando o tom da reedição da guerra de colonização.

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